A chegada da maternidade impõe desafios que vão além da rotina: falta de empatia das lideranças, dificuldade de reinserção após a licença-maternidade e cobranças exageradas. Contudo, o que para alguns representa um “degrau quebrado” na carreira, é visto por muitas mães como um verdadeiro “doutorado de vida” — uma experiência única, que nenhuma faculdade ou trajetória profissional oferece.

“É doutorado para a vida. A mulher vai cuidar de uma pessoa que terá responsabilidade de cuidar de outras. Relações de trabalho também são relações de cuidado — com os colegas e com a responsabilidade assumida ao assinar um contrato”, explica Wania Sant’Anna, historiadora e integrante do Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdade Racial (CEDRA), ao Economia Real.

A pressão por produtividade, a insegurança profissional e a ausência de acolhimento criam barreiras invisíveis que especialistas chamam de “degrau quebrado” na carreira das mulheres.

“No auge da ascensão profissional, geralmente durante a idade fértil, muitas se deparam com um obstáculo que interrompe o avanço. Ao retornarem da licença, enfrentam desigualdade salarial, dificuldade de reinserção e o julgamento silencioso de que sua carreira estaria em pausa”, detalha Michelle Levy Terni, CEO da consultoria Filhos no Currículo.

Segundo dados do IBGE, em 2022, apenas 56% das mulheres com filhos de até seis anos estavam empregadas. Entre os homens na mesma condição, o índice sobe para 89%.

Michelle, mãe de três filhos — Thomas, Alex e Lara — destaca que os maiores desafios ocorrem nos primeiros anos da criança e quando as mulheres chegam aos 40 anos. “Sem escuta ativa e apoio das lideranças, esse reencontro com o propósito pode ser interpretado como desengajamento, e não como um processo legítimo de crescimento”, diz.

Quando a empresa acolhe verdadeiramente uma profissional com filhos, ela desenvolve uma líder mais conectada, produtiva e engajada”, reforça Michelle.

Carina Rodrigues Hirama, sócia da Daniel Advogados e mãe de quatro filhos, é um exemplo de como maternidade e liderança podem caminhar juntas. Especialista em proteção de dados e inteligência artificial, ela afirma que a parentalidade desenvolve empatia, inteligência emocional e a habilidade de tomar decisões sob pressão.

“Ela ensina a liderar na raiz, no cerne. Ensina o que é servir, entender o outro, trabalhar com diversidade de pensamento pensamento e posicionamento. Sempre acreditei que é possível conciliar carreira e maternidade”, afirma.

Levantamento feito pela Filhos no Currículo em parceria com o Movimento Mulher 360 entre abril e junho de 2020 e obtido pela reportagem mostra que 98% das mães e pais desenvolvem habilidades profissionais após a chegada dos filhos.

Entre elas estão: empatia, gestão de tempo, resolução de problemas complexos, comunicação assertiva e liderança colaborativa. Todas estão listadas como competências essenciais do profissional do futuro, de acordo com o Econômico Mundial.

“Essas transformações só acontecem em ambientes que reconhecem a parentalidade como um ativo de valor, não como limitação”, afirma Michelle. Ela defende que empresas desenvolvam políticas de apoio à parentalidade, com escuta ativa, planejamento e lideranças preparadas.

Direitos trabalhistas das mães: o que diz a legislação

A CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) assegura diversos direitos às mães no mercado de trabalho. A advogada trabalhista Gabriella Valdambrini, sócia do Valdambrini Arruda de Andrade Advocacia, destaca os principais:

Estabilidade no emprego desde a concepção até cinco meses após o parto

– Licença-maternidade de, no mínimo, 120 dias
– Transferência de função por condição médica
– Direito a seis consultas médicas durante a gestação
– Dois intervalos diários de 30 minutos para amamentação até o bebê completar seis meses

Ela lembra que acordos coletivos podem ampliar esses direitos. Sobre a amamentação, defende que empresas adotem horários flexíveis ou redução de jornada, o que facilita a adaptação na volta ao trabalho.

Larissa Fortes de Almeida, sócia do escritório Andrade Maia Advogados, reforça que a estabilidade também se aplica a mães adotivas e mulheres que sofreram aborto espontâneo, com direito a duas semanas de repouso remunerado. Além disso, mães e pais têm direito de faltar um dia por ano para levar filhos de até seis anos ao médico.

“O TST (Tribunal Superior do Trabalho) tem reconhecido o direito à redução de jornada para mães atípicas, cujos filhos precisam de acompanhamento constante — medida aplicada por analogia às normas dos servidores públicos”, finaliza.

Fonte: Economia Real/ UOL
https://economiareal.uol.com.br/noticia/carreira/como-maes-superam-degrau-quebrado-na-carreira-doutorado-de-vida-222